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SAÚDE

Joe Biden apoia decisão de quebra de patentes de vacinas e se alia a países emergentes

Decisão é histórica nos EUA e deixa o Brasil mais isolado na posição contrária a tomada pelos EUA

07/05/2021 às 12h00


POR Redação

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Numa decisão sem precedentes, o governo de Joe Biden decidiu, na última quarta-feira (5), apoiar a ideia de suspender patentes de vacinas e se alia aos países emergentes na OMC (Organização Mundial de Comércio).

A postura reflete uma mudança histórica na postura do governo norte-americano em relação à propriedade intelectual e deixa o Brasil como um dos poucos países no mundo a defender a posição de que patentes não devam ser quebradas e que as atuais regras do comércio são suficientes para lidar com a crise sanitária.

O gesto de Biden foi amplamente comemorado entre instituições. A OMS (Organização Mundial da Saúde) chamou a decisão de “monumental”, enquanto seu diretor, Tedros Ghebreyesus, citou Biden como “exemplo de liderança internacional” e referência “moral”.

No fim de 2020, sul-africanos e indianos apresentaram na OMC a proposta de que patentes de vacinas deveriam ser suspensas, enquanto a pandemia de coronavírus existisse. Na prática, isso permitiria que doses fossem produzidas por empresas de todo o mundo, aumentando o abastecimento ao mercado global e preços mais baixos.

Hoje, 1,1 bilhão de doses de imunizantes já foram administrados. Mas 80% deles estão apenas em países ricos e de renda média. Nos países mais pobres, apenas 0,3% das vacinas foram distribuídas.

Durante o governo de Donald Trump, porém, os Estados Unidos foram contra a proposta e garantiram o apoio do Brasil para também se recusar a aceitar a ideia, que ganhou a adesão de grande parte dos países em desenvolvimento. A postura brasileira rompeu com uma longa tradição de diferentes gestões de defender o acesso amplo a tratamentos, com a saúde se sobrepondo à economia ou às patentes.

Mas Biden, sob pressão inclusive de seu partido, optou por abandonar esse quadro, num duro golpe contra as grandes farmacêuticas.

O gesto pode modificar de forma profunda as negociações que, há seis meses, vivem um impasse na OMC. Mais de 60 países emergentes insistem que apenas a quebra de patentes pode garantir uma maior produção de vacinas. Mas o projeto patinava e, nesta quarta-feira em Genebra, uma vez mais uma reunião terminou sem um avanço real.

Do lado da indústria farmacêutica, o argumento é de que a patente não é o obstáculo e, com milhões de dólares gastos em lobbistas, o setor tentou garantir a ideia de que só acordos voluntários de transferência de tecnologia poderiam mudar o cenário de abastecimento.

As multinacionais ainda argumentavam que, sem patentes, os incentivos para a produção e inovação seriam abalados.

Em nota publicada nesta quarta-feira, a Federação Internacional da Indústria Farmacêutica criticou Biden e disse que a suspensão de patentes não vai resolver “os reais desafios” da vacinação. “Trata-se da solução fácil – e errada – para um problema complexo”, disse. “Suspender patentes não vai ampliar a produção”, insistem.

De acordo com o setor privado, mais de 200 acordos de transferência de tecnologia foram já fechados e a crise exige “soluções pragmáticas”, exatamente o mesmo termo usado pelo governo de Jair Bolsonaro em reunião nesta semana na OMC.

Itamaraty mantém silêncio; Lula aplaude

Por enquanto, o Brasil continua apoiando a ideia de que a quebra de patentes não deva ser adotada, já que minaria a inovação e o interesse das grandes multinacionais. Numa reunião na OMC nesta quarta-feira, a delegação do Itamaraty voltou a citar a importância da transferência de tecnologia. Mas não demonstrou apoio à suspensão de patentes e insistiu que todo o processo precisaria estar baseado em uma “cooperação” com as empresas e atos “pragmáticos”.

Procurado, o Itamaraty ainda não se pronunciou diante da decisão.

Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi às redes sociais para “saudar a decisão histórica” de Biden. “Desde 2020, defendemos que a suspensão do monopólio das patentes é a única saída para a vacinação em massa de toda a população. A saúde não pode ser mercantilizada. A humanidade vai vencer esse vírus”, disse.

A organização Médicos Sem Fronteiras classificou a declaração do governo dos EUA como “um passo fundamental na direção do consenso de que proteger vidas é mais importante do que proteger direitos de propriedade intelectual”. “É também uma oportunidade para que países como o Brasil retomem sua posição histórica de colocar a saúde pública acima dos interesses comerciais”, disse Felipe Carvalho, coordenador no Brasil da Campanha de Acesso da entidade.

“As soluções voluntárias que o Brasil tem defendido não estão à altura do desafio de oferecer vacinação universal contra a covid-19 e precisam ser complementadas por estratégias como a suspensão dos direitos de propriedade intelectual na OMC”, opinou Carvalho. “Suspender as patentes é essencial para reverter o cenário atual de desigualdade no acesso a vacinas e outras tecnologias essenciais de saúde.”

A entidade Conectas Direitos Humanos também deixou claro que o isolamento do Brasil é cada vez mais evidente. “Com sua postura, o governo Bolsonaro continua contribuindo para ampliar ainda mais a catástrofe humanitária que estamos vivendo”, disse a diretora-executiva da organização, Juana Kweitel. “Felizmente, ele está ficando cada vez mais isolado nessa posição. A virada dos Estados Unidos pode ser fundamental para reduzir a desigualdade abissal no acesso as vacinas entre os diferentes países”, completou. .

Pressão sobre países

Japoneses, suíços e outros europeus, entre outros governos, continuam a se opor à ideia da suspensão de patentes. Mas o gesto americano coloca uma enorme pressão para que esses países também mudem de opinião publicamente e nas negociações.

Num comunicado que causou um terremoto entre diplomatas, a negociadora comercial chefe dos EUA, Katherine Tai, disse que seu governo era “a favor da suspensão (de patentes) na OMC” e que era “a favor do que os autores da proposta estavam tentando atingir, que é maior acesso, maior capacidade de fabricação e mais doses nos braços”.